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Blue de peso

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A medusa sem disfarce

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Cara Barer – dos livros

Novas tecnologias vêm, novos suportes, mas poucos são os objetos que se casam tão bem como seu fim como um livro. Há quem já leia com a tela em pé, uma interface insuportável pra mim, ainda que eu escreva num blog e adore blogs. Coisa de fôlego só no papel. Mesmo as criações mais inusitadas de “livro-objeto” que pude conhecer sempre tem sua raíz bem fincada no modelo livro, papel e letras impressas, por mais que se subverta. Daí o nome “livro-isso”, “livro-aquilo”, não deixam de ser “livro- “.

Há também uma grande quantidade de “artistas plásticos” e “designers” que brincam com o livro, com esse fetiche, mas confesso que a maioria das coisas que vi são prá lá de ruins. Geralmente se usa o livro apenas como “matéria-prima”, como recheio para reiventar objetos kitsch. São pencas de árvores de natal feitas de livro, anéis com um livro que se abre, brincos hediondos com livrinhos, colares com pingentes-livros. Quem gosta de livro mesmo não pode gostar deste show de horrores. Coisa parecida ocorre com objetos de adquação e empatia indiscutíveis  como os guarda-chuvas, ainda que a indústria tenha os tornado descartáveis, desmancháveis a primeira quedinha d’água ainda são os tais.

Poderia mostrar imagens dos crimes aqui, os ffffounds da vida estão cheios disso. Mas não quero”macular” meu blog. Um dia até posso,  mas sempre distinguindo o que é brincadeirinha, cartão postal,  o bonitinho, entenderam? Estou cansada de tanta gracinha no mundo. Quero deixar o espaço que tenho para um trabalho que de fato valha a pena. No caso, o da fotógrafa Cara Barer, que encontrei no blog The Art Monitor. A artista cria outros objetos a a partir do livro, mas enquanto tal. Paradoxo? Sua obra, linda e conceitual, dois predicativos que nem sempre se casam, discute a livridade do livro, se é que me intendem. A coisa livro em sua fragilidade,  diante da ação do tempo, em mutação, é o seu outro (e mesmo) objeto. As tranformações físicas sofridas pelos livros tranformam-se em esculturas sob o seu olhar e registro.

 

 

Meu gato – estudos sem cortes

Há poucos dias fiquei em júbilo total ao ver meu querido e salve e salve gato Romeu fazendo zil poses  em cima de uma cadeira virada de ponta-cabeça. Não resisti e comecei a gravá-lo (numa camereta fotográfica de 3 mega). Para meu espanto, ele não saltou da cadeira nem veio na minha direção. Relaxou como um ator experiente. O.K., eu sei, eu sei,  isso é coisa  para se guardar no HD.  É o tipo de vídeo que  a maioria das pessoas  sãs e de bom senso pulam no YouTube. Enfim, enfim,  mais de três minutos de silêncio felino é o que lhes ofereço agora. O título Estudos nem preciso dizer de onde peguei, cada um com a sua fixação. 

 

P.S.: Para os voyeurs uma dica (uma minoria, eu sei…): quando se vê um gato, ou qualquer bicho domesticado, vê-se também muito do dono. Pois é, mostrar seus bichos é uma das práticas mais narcisistas que podem existir. Obscenidade, da mais pura.

Parangolé in-corporação

mais sobre Hélio Oiticicica clique aqui

Sem título

reuters – santiago ferrero

Do vermelho dela, do marrom do negro dela, do azul ao fundo e do lixo, e do homem como lixo, e do tanto que é terrível. De como a manta que envolve o corpo lembra um parangolé, ou de como o parangolé veio de algo parecido. De uma favela que engole o mundo e é rechaçada por ele e  se insurge, em trânsito. De e ao encontro dele. De como é isso e aquilo o exílio. Da ressaca. Do horror. Do silêncio. Das cores vivas. Dos homens mortos.  De como esta foto me lembrou Hélio Oiticica.  Do  problema ético que se estabelece para quem vê (e para quem fez). Da fotografia. De como esta questão já foi discutida e do quanto eu não a resolvi. Da frase que não pára de me vir à cabeça: “Seja marginal, seja herói”. Do tanto que eu não quero heróis e nem marginais. De como Oiticica foi grande.  De como eu não consigo parar de olhar. Da espécie de vergonha que sinto por achar essa imagem bonita. Disso que eu queria falar agora.

clique aqui para saber disso.

Maysa – Estudos

Acabei de assistir ao programa do Abujanra, de 1975, com a Maysa. O nome Estudos não podia ser mais honesto e preciso.  Mesmo com a Maysa em carne e osso, a lente não procura encurralá-la numa possível verdade, numa única versão. A fotografia a pesquisa, o programa a esboça, o minimalismo da linguagem dá espaço ao que interessa:  a ela, a mais um dos seus possíveis retratos. Fiz o meu, aliás,  continuo a fazer, e confesso: a minissérie foi um bom start, salve Monjardim! Maysa dá samba, novela e silêncio. Fico com o último, desconcertada.

Hoje em dia a coisa mais fácil é não ser, você foge, você passa a vida fugindo de uma necessidade de ser, então é mais fácil não ser.”

“Não há utopia mais na nossa época, nós somos ou não somos. […] Não falta nada, só falta uma certeza.”

“A gente usa as palavras idiotamente, imbecilmente, né? Já pensou não falar?”

A marvada – melancolia

Este é um livro que tenho lido, não é daqueles que se devora, pode-se até fazê-lo, não é meu caso, já que os livros de psicanálise, em sua maioria, trazem embutido o pedido da “releitura” por apresentarem conceitos, que imploram para que os entendamos. Pois é.

Não, eu não leio todo livro como ficção. O autor tem de ter uma apropriação da linguagem que seja rara, ao ponto de eu ser engolida por ela. Não é o caso da maioria dos pouquíssimos filósofos que já li e muito menos de psicanalistas, nem eu quero que seja, afinal não é meu desejo viver embriagada de palavras, às vezes precisamos entender, sem encharcar. Sobretudo conceitos complexos como a “melancolia”, que mudam de significado com o passar do tempo e das ondas, e per si já nos deixam trôpegos.

Marie-Claude Lambotte  se defende com a linguagem ensaística, uma escrita muito palatável e informal, pero nem tanto. Uma dica possível? Ler este livro dando saltos quando o psicanalês encrespa, caso não sejamos da área, e gozar os trechos em que a autora na sua própria voz e de carona na de escritores de ficção, e não de Freud, tenta “descrever” a marvada da melancolia.

Esse é um tema que carregarei pra vida toda, não tenho dúvidas. Quando escolhi o nome do blog Sorriso de Medusa não sabia da relação do mito da Medusa com estados melancólicos e, hoje, ditos depressivos, apesar de eu ver uma distinção entre eles, mas aí é outra história, que não dou conta de desenvolver agora, nem sei se darei um dia. O que me deixa especialmente curiosa é que há uma estreita relação entre melancolia e humor. O riso, o sarcasmo, a ironia são grandes saídas para a melancolia, aliás, não são saídas, são a face de uma mesma moeda.

Signficativa (e sintomática) é esta citação de Kierkegaard (via Lambotte):

“Desde minha primeira infância, uma flecha de dor plantou-se em meu coração. Enquanto nela permanecer, sou irônico — se arrancarem, morro.”

Pois é, não pensem que a melancolia não tem suas dobras: ela impele a que vejamos as coisas pelo avesso, ao contrário, como faz a ironia, nos pegando de calça curta. Digamos que o nome deste blog é mais uma das ironias que a vida me pregou. Está acatada, e estou muito feliz por isso, posso rir e embotar sem medo (infelizmente eu ainda padeço do mal de ser querida e aprovada, na leveza e no peso).

Vamos ficar com a frase de Kierkegaard que dá o que pensar. Voltarei ao tema.

Escritores e gatos – Entrelinhas

Não é segredo para ninguém que sou absolutamente apaixonada pelo meu gato. E por felinos em geral.  E, e em se tratando desses bichanos,  creio que a palavra mais acertada em relação a eles seja “devoção”.   Sou uma devota, daquelas absolutamentes taradas. 

Não à toa gostei desta matéria do Entrelinhas, pois reúne duas paixões que sei indissociáveis, no meu caso e de muitos, mas que nem sempre (quase nunca) dou conta de explicar o quão estão imbricadas . Ainda que a relação entre elas seja tão cristalina pra mim como goiabada com queijo. Acompanhem: o silêncio dos gatos combina com o exercício da palavra e eles são mais elegantes do que os peixes e mais perspicazes do que as tartarugas e não morrem feito coelhos e nem de repente como pintos e não são burros como o cão e as qualidades são inalcançáveis já dizia eu, tu e a torcida beletrista do flamengo.

É bonito ver o quanto um “dono” de um bichano se rende a ele, e os papéis se invertem, ou quase. Os escritores entrevistados e citados  revelam um território em que babar o bicho e respeitá-lo é o mesmo. Coisa fina, curiosa e comovente.  Outra palavra: “reverência”. E querem um segredo? É recíproco. Os gatos amam de paixão quem eles escolhem, e muitos já me segredaram uma queda imensa pelos escritores.  

P.S.: O gato preferido do Mutarelli, que aparece reiteradamente no programa, o Nankin, faleceu ano passado. Escrevi sobre aqui.

Para não desorganizar – uma lição

Hoje eu resolvi arrumar meus livros. Não os trato com grande reverência, é fato. Pensei em mudar de postura. Em organizá-los por ordem alfabética, sobrenome e nome de autor, aquela coisa toda que eu nunca pensei em fazer, mas sempre soube que jamais teria saco e nem tenho tanto livro pra isso. Cheguei até a começar a procurar na internet dicas para organizar “a minha biblioteca”. No meio da pesquisa já estava lendo outra coisa. E mais: já tinha começado a colocar alguns livros para fora da estante. Não tinha método, mas o estrago já estava feito, sem volta! (Coloquei um som, procurei minha máquina fotográfica, sim! Achei que fotografar a bagunça daria umas imagens boas, mas não encontrei pilhas novas em casa. Usei meu celular. As fotos vem dele.)

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Espalhei os livros pela sala toda e fui recolher os que estavam pelo quarto etc e tal. Uma encrenca, necessária. Comecei a tentar organizar por literatura brasileira; literatura aquilo; literatura isso, no final ficou só literatura. Aquilo que tenho  e  leio, ponto, que outra literatura poderia ser? Arrumar a estante tem um pouco a ver com olhar a própria cara. Não posso ter uma estante metódica quando as minhas leituras não são nenhum pouco, já foram por autor, mas hoje são “temáticas”, corro atrás de temas, quem lê o blog sabe do que estou falando.

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Foi bom relembrar que a primeira paixão literária da minha vida foi Clarice (a  foto parece armada, mas não é). Eu fiquei namorando esta capa em vermelho por semanas, me lembro de olhar de dentro de um ônibus, na Teodoro Sampaio, para a “vitrine” de um sebo, que se não me falho a memória chamava-se  “Sagarana” e era do Afonso Evandro Ferreira. Na época eu não sabia que ele era ele, o escritor, só soube  muito depois lendo a Folha de São Paulo. Nunca esqueci seu rosto, não só pela emoção da aquisição, mas também porque no momento da compra ele me convidou para participar de um grupo de leitura que se encontrava no antigo Frans Café de pinheiros. Convite que no período me pareceu insólito, eu nem sabia do que se tratava a história,  mas hoje percebo que ele sacou  o óbvio: aquela pirralha só podia amar literatura. Eu devia ter ido, mas nem cogitei a possibilidade, não tinha maturidade. Só fui aceitar tal convite anos depois, mas não dele.  Acho que este foi o primeiro livro que comprei pela capa, fetiche mesmo, eu ainda estava no colegial, mas já amava Clarice e já detestava as capas da Francisco Alves. A Rocco vai ter muito trabalho para apagar da memória nacional a feiúra de tais capas, se bem que as capas da Rocco para Clarice ainda sejam feias, não tanto quanto antes, mas ainda ruins. Não me arrependo desta compra. 

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Acabei organizando a coisa toda por literatura; psicanálise e crítica literária e cultura geral, leia-se artes plásticas, arquitetura, cinema e blá-blá-blá. Fiquei impressionada em como tenho coisas de crítica, bem a cara de licenciada em Letras, até me ressenti de não ter mais literatura, um dos sintomas mais comuns do meu curso superior é ler mais “quem escreve sobre” do que a literatura mesmo. Se bem que um Barthes eu leio como ficção, maior prazer, um Blanchot também, até mesmo Freud, ainda que tenha feito especialização em psicanálise. Mas me contive e consegui separá-los de literatura, organiza a estante e o resto. Na arrumação  encontrei pérolas, óbvio: duas, e não menos que duas, biografias da Madonna! (Juliana são suas, já!) Além de outros livros menos vexativos, mas bem “sinais dos tempos” como Personas Sexuais, da Camille Paglia; Tudo que é sólido desmancha no ar e por aí vai, fenômenos que foram à sua época, com seu devido peso e medida, similares ao que acontece hoje com os tais Líquidos todos,  tenho um deles: O tempo líquido, off course. Ou será que este é do meu ex-marido? Sim, porque também tenho esta questão, a comunhão de corpos leva a outras. E eu sou péssima para lembrar o que veio e o que ficou com quem. Senti falta de uns livros, mas tudo bem. São livros.

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Com o rearranjo não encontrei mais espaço para os meus dicionários de regência, para as gramáticas, para o que mais manuseio quando trampo. Será que eu organizei uma estante diletante? De férias? Honestamente não tenho a resposta, mas comprarei para ontem um espaço digno para o meu material de trabalho. Um livro (aliás dois, porque tenho duas versões) para o  qual eu não achei um lugar apropriado foi a Bíblia, mas está na estante. Não fui tão rígida. Por mais cética que eu seja não consegui, não mesmo, colocá-la no rol da ficção, Freud explica.

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Dei conta do recado, está de bom tamanho. Enfim, assim, então, pois é: não cabe mais nada!, aí está o único e incontornável problema.  No final da organização apareceu a Hilza, a diarista, que é quase uma AT (acompanhante terapêutica) para mim. Disse para ela que há uma lógica nas estantes. Que cada livro tem um lugar, que não podemos bagunçar o coreto. Mas a única lógica dela é a da arrumação, o que significa botar tudo num lugar que eu nunca sei qual é! E não dá pra negar: arruma. Por isso ela nem deu bola para meu exercício hercúleo, para minha ordem e ameaçou: “se você deixar livro por todo canto, eu boto em qualquer lugar!”  A verdade é que arrumar a estante não foi nada,  o desafio é deixar arrumada. É não desorganizar. Sinuca de bico, francamente.