oficinas: escrever e ensinar
Eu só sei o que escrevo quando ponho meus dedos sobre o teclado, eles dizem, depois eu leio, discordo ou não. Talvez esta percepção do meu jeitão de escrita tenha sido um certo mérito da oficina de Bellatin. Ele acredita que só a escritura dá as diretrizes da própria escritura, que não há receituário anterior, pois apenas um argumento muitíssimo pessoal, que desconhecemos previamente, pode dar o tom do que se escreve. Só pude entender tão bem o recado de Bellatin pela minha experiência anterior na oficina de Marcelino e pelo meu contato com meus alunos.
Marcelino e Bellatin partem de pressupostos diferentes, mas não sei o quanto divergem, aquele também parte para o trabalho da escrita antes de qualquer elucubração e tem uma leitura fina, mas aquele demole de alguma forma o trabalho do outro. Considero ambos complementares se puder acessá-los, ambos me interessam pela vontade que tenho de escrever meu primeiro livro, que, aliás, já está escrito, mas não consigo tocar. Entretanto, também me interessam pela vocação mais evidente em mim que é a de lecionar, meu maior tesão é trabalhar a escrita alheia, seja preparar garotos para escrita quadrada do vestibular, seja para vôos maiores. Mesmo quando tenho apenas por missão talhar uma escrita para um fim específico e rijo, outros elementos são tratados, e aí que meu lastro e gosto fazem sentido.
Poucas coisas me dão mais satisfação do que viabilizar a possibilidade da expressão escrita para um outro, conseguir tirar água de pedra, investigar o modo de chegar perto de onde brotam as palavras nos meus distintos alunos, sobretudo daqueles que detestam ler e escrever! Tesão parecido é o que experimento quando leio e ouço textos vários em uma oficina, sempre estou a favpr dos textos, até de quem não gosto. Daí minha qualidade e fama de “pitaqueira”. “Luciana você seria uma boa crítica”, quantas vezes já ouvi. Mas babys, não sou jornalista nem da academia, minha praia é outra. Qual? De todo não sei.
Eu sou antes de tudo uma professora. Já fui editora de livros, mas eu estava tão longe da escrita que até me dói lembrar, era frio, burocrático, eu não participava de conquistas e transformações que só a convivência com o fazer (-se) da palavra podem trazer. Em boa medida, me sinto mais próxima da prática da psicanálise do que a da que se entende por lecionar. Gosto de dar aulas particulares e de pôr o aluno de frente para o seu texto quantas vezes forem necessárias. Até verem-se, ali, ambos de frente pro crime, que é o próprio aluno e seus limites.
Este ponto, o do enfrentamento do próprio texto e de si é algo que me toca e que sei trabalhar muito bem em aula, com acuidade e respeito máximos. Na oficina de Bellatin este momento fundamental e fundante explicitou-se como ponto central de sua visada da literatura. Para ele passamos maior parte do tempo escrevendo o que não queremos, textos e auto-análises falsas. Chorei na porra da oficina, porque este é um ponto que a mim é muito caro. O velho: “quem sou eu”?
Meus textos não têm me devolvido respostas prontas, aliás, desde a oficina de Marcelino (que não teoriza, mas acaba por deflagrar auto-análises fortes para quem estiver predisposto) só têm me confundido! Sofro de uma espécie de esquizofrenia (figura de linguagem), pois vivo com uma cadela na vida, encaro tudo como melodrama e deprimo várias, mas para meu espanto meus textos são engraçados. Logo que começaram a dizer que eu era engraçada me ofendi, hoje, também de frente pro crime, começo a aceitar que eu seja mesmo esta que ri do próprio oco, a do sorriso irônico.
Tenho um problema com meu tom, porque sou mais de uma e, quando escrevo, cismo que meu script seja um só. Por que eu não posso pensar como um músico ou como um ator? Não é porque toco uma marcha fúnebre que sou fúnebre! Não é porque eu encare meu drama pessoal como novela mexicana que não posso escrever assim ou assado. Descolar de mim é uma missão foda, descolar e, paradoxalmente, ser o mais fiel possível ao que a minha escritura me devolve mais foda ainda. No momento ela vem como uma torta na cara. “Cada texto uma torta na cara”. Esta imagem é boa, é isso.
Neste sentido quando faço oficinas de escrita é tanto a inquietação da pretensa escritora quanto a da professora que grita. Mesmo se eu vier a publicar, mesmo que eu continue colaborando em roteiros, mesmo que eu edite textos alheios, preciso fundamentalmente ensinar, descobri um prazer e uma alquimia nisso que é inexplicável. Eu tenho o maior talento para a coisa.
Agora estou aqui, com minha pala própria e aí?Dar aulas é não estancar o que sei em mim, é devolver algo, é um sentido maior que eu mesma para minha vida, é um modo de honrar o que me deram e que eu pude construir. A vida perde o sentido fácil pra mim, desta forma se eu não lecionar morro um pouco. Lecionar é um script seguro, já escrever é mais estranho, mas como é necessário também vou encarar.