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Michael Jackson e Caetano Veloso

Não sei quem fez este vídeo, mas me causa um estranhamento que gosto. Muito. Caetano, quase à capela, revela um Michael melancólico e solitário em sua Billie Jean, coisa que no auge do astro não enxergávamos. Não que essa montagem seja uma proeza de edição, mas eu consigo ouvir mais Caetano nela, sua versão singela e melancólica da canção, o samba triste que ele descobriu nesse hit. E graças a isso também consigo ver mais Michael, sublime e tosco em seus passos, repetidamente só e genial. Caetano lança outra luz sobre Michel (e vice-versa). Esse vídeo despretencioso é revelador. Acho que sempre quis ver Michael dançando Caetano cantando Michael. Alguém fez como pôde e funcionou, pra mim funcionou.

Evoé Michael, Caetano e o autor da montagem.

Marcador que marca

Muitas vezes uma palavra é tudo que precisamos. Um aceno, uma pessoa que passa pelo blog e deixa um sinal de fumaça. Foi assim agora com a Mari Labaki comentando um postzinho do Gato. Mas ela me deu mais, resolvi passear pelo seu Blog, cousturicas, e achei um marcador que marca, com uma frase de Lacan linda e necessária.

Obrigada duplamente Mari.

A Gaivota da GAIVOTA

Há algum tempo, uma semana talvez, tenho pensado em escrever sobre a peça GAIVOTA (TEMA PARA UM CONTO CURTO), baseado na obra de Anton Tchekcov. Eu fui menos para ver a peça do que para confirmar, e com isso me alegrar loucamente, de que aquele feito imenso da peça Ensaio.Hamlet se sustentaria numa outra peça, que eu não tinha visto uma miragem no deserto, que eu tinha visto o que tinha visto. Eu precisa ver uma vez e mais outra que havia continuidade, estofo, fôlego para muito mais na beleza estupidificante do Ensaio.Hamlet, porque eu ando precisando acreditar que há coisas boas e promissoras na arte, no mundo e na vida também. Não nego: a arte tem me salvado, é fato. Eu fui como quem faz uma aposta esperançosa.

Eu poderia me estender sobre o pulo do gato que é o trabalho com a metalinguagem que esse grupo faz, eu poderia… Mas só me vem a cabeça a satisfação de assistir a insatisfação que a peça encerra, os conflitos que ela trabalha, de pais e filho e gerações, e que são atualizadas de Tchekcov pra cá com tamanha vitalidade nessa montagem que mexem aqui dentro, no meu fundo mais fundo ( eu já vi outras montagens, mas nenhuma me tocou assim). Diante da minha comoção, sei lá, eu só tenho vontade de expressar o quanto me tocou a tamanha potência que a sacação da impotência, do limite, da morte, pode trazer a um grupo, aos atores, àqueles homens e mulheres que estavam ali. Eu só tenho vontade de me “solidarizar” com aquelas dores e questões e dizer que eu também estou aqui me perguntando: pra quê? Por que prosseguir? Do meu modo, na minha escala, enfim. No meu desassossego.

E se eu pudesse condensar numa atriz todas as questões inquietantes, porque melancólicas, porque frívolas, porque densas, minhas, dela, de toda uma geração, se eu pudesse escolher a atriz dessa peça seria sem dúvida Mariana Lima. Eu sei, eu vi, que as personagens passeiam pelos corpos dos atores, mas eu amei especialmente a Nina dela, a sua Macha, a sua Arkádina. Tão grandes e tão frágeis, elas-ela, tão ali, tão perto. De tudo quero guardar a atuação dela, sua entrega, sua presença, o luto que ela carrega, seu ego, sua leveza e peso, seu tamanho e beleza imensas. Atuação que só seria possível por ela estar na peça em que está, com a direção que teve, com outros atores incríveis para trocar e provavelmente por ser quem é. A elejo a Gaivota da GAIVOTA, acho que é isso.

parte do encarte da peça com texto e fotos da atriz mariana lima

Vontade

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Nada a demoveria da vontade de viver nem mesmo sua imensa vontade de morrer. Nada a deixaria ir-se. Ela não se deixaria, apesar da última bomba, da falta de tato, do ruído imenso nas relações, do avião contra a parede, das crateras do metrô, do buraco da rua esperando seu mau passo. Mesmo diante daquele complô contra que era viver todos os dias , manhãs e noites inteiras sem respirar, olhando os sinais fechados, atravessando na faixa e seguindo o fluxo, imersa em maus presságios, no lodo de sempre, mas acreditando às cegas. Ainda que dentro do grande gol contra, ela viveria, daria o pulo do gato, arranhando frestas, nem que fosse aos gritos, porque era preciso, o porquê disso ela não sabia ainda, o porquê de viver, mas saberia quando soubesse, quando visse a coisa, a grande força que a moveria à favor dela, como a que move a pétala, como a que deixa boquiaberto o homem sem sangue nas veias, aquela força que faz do clichê algo novo. Ao sentir ela veria sentido em sua vontade de viver e viveria de fato como as plantas, os gatos e como ela jamais havia suposto possível.

VEMVAI – O CAMINHO DOS MORTOS

 

 

 

 

 

 

 

Assisti a peça VEMVAI – O CAMINHO DOS MORTOS, da Cia Livre, sob o comando de Cibele Forjaz. Valeu pelo trabalho do conceito de morte como fronteira, o chão do espetáculo (público e atores numa mesma altura), expandia-se em cortinas que se abriam e desvelavam novas etapas (ou passagens) do caminho dos mortos, um achado cênico lindo, singelo e claro. Sobre o qual se sustentou todo o espetáculo, não sei como ele se daria sem esse recurso dos “portais”, pelos quais, nós expectadores éramos levados, vivenciando os cinco movimentos da travessia pelo além, que bem sabem os índios, é aqui também.

Parece que para a tribo Marubo, a qual a Cia Livre mais estudou e leu, com a orientação do antropólogo Pedro Cesarino, assim como para muitas outras cosmogonias ameríndias também estudadas pela trupe, a morte é uma fronteira. Não sei o quanto entendi isso ao assistir o espetáculo ou ao conversar depois dele rapidamente com o ator Edgar Castro, aliás um grande ator, para se ficar de olho. O conheci neste mesmo dia, apresentada pou amigo em comum, e confessei de cara que não tinha entendido muita coisa, que a partir de uma certa altura da peça eu me perdi total. Ele foi muito condescendente com minha espécie de confissão e de curiosidade, explicou-me generosamente muita coisa.

Logo que saí da peça, antes da conversa com ele, senti-me muito decepcionada, porque apesar dos achados estéticos, da verve Zé Celsiana mais depurada (porque com atores mais atores, mais técnicos, mesmo que aparentemente possuídos, mais donos de seus corpos e arte), a despeito então da enorme competência de cada um que atuava e da força dos diálogos e das inúmeras falas para se levar na memória, advindas da cepa de Newton Moreno (é possível reconhecer aqui e ali o que é mais dele), eu simplesmente não conseguia casar canibalismo com o caminho do Vaká, ou seja, eu não dava conta do que a peça se propunha narrar. Eu que precisava entender como outras cosmogonias viam a morte. Eu que fui até a peça para isso, em boa medida, não dava conta daquilo que via em cena, talvez se eu pensasse o Vaká como o Outro freudiano ou como uma projeção ou como uma alma penada ou como um espírito ou ou ou. Mas por que comer o duplo para aceitar a morte? Saí sem entender o canibalismo funenário, céus! Isso não de diz em praça pública, mas o faço.

Explico esse papo de cachorro louco de Vaká, ou tento explicar, ao entrar na peça recebemos dois bonequinhos de papel carimbados com o nome Vaká, pude perceber não só pelos bonecos, mas pela atuação, que cada um de nós tem um duplo (bem Freud mesmo), que seria o tal Vaká, que talvez o duplo ou alter ego, ou seja lá o que fosse, fizesse a travessia dos mortos, mas não! Ao conversar com Edgar, ele me explicou que um único ser tem vários Vakás, um do pé, outro da mão, que às vezes um Vaká sai do corpo de um índio e apronta em outra aldeia e quem vai buscar este Vaká é o pajé. Isto é, o pajé é o único que conscientemente passeia com seus Vakás e resgata os Vakás alheios. Um tânsito de Vakás que deve ser mais claro aos ocidentais esquizofrênicos, passei longe, apesar de louca que sou.

O fato é que saí com meu Vaká na mão, tendo visto uma peça que não se pode irresponsavelmente detonar, nem tampouco, no meu caso, gostar de todo, no entanto, eu resolvi gostar da dita, pelo que potencialmente seu grupo empunha como empreitada cênica: investigar e trazer à tona uma cabeça que não é a nossa, porque o budismo vira fichinha perto dessas cosmogonias que ficaram tão distantes. Definitivamente não sabemos nada da nossa própria cultura sem “índio-Dalai Lama” para didatizar, aliás, esta é a única certeza que a peça me deu. A peça é honesta, explicita sua fragilidade em fazer-se enteder, por isso o ator foi tão aberto, agradeço a ambos, pelo que me deram a pensar, sem medo da exposição.

Passei a gostar também de VEMVAI por essa espécie de franqueza, que não sei descrever aqui, por um certo peito aberto, pelos atores até em cena entregarem, metalingüística e explicitamente, o quão difícil é entender o outro! (Se bem que a metalinguagem já deu também, em boa medida, mas nessa peça não via outra saída.) Só pela pesquisa que essa trupe fez, pela ousadia de entrar por uma seara tão difícil, eu decidi procurar gostar do espetáculo, mas que fique claro: só depois de pensar muito sobre, de regurgitá-lo muitas vezes, de relembrar o que eu ouvi depois. Creio sobretudo que é um espetáculo a ser respeitado por não estereotipar o índio e não infantilizar as cosmogonias alheias, coisa rara em teatro, mais comum no cinema nacional.

De Vaká na mão fico esperando uma próxima, chateada por saber tão pouco, pela peça não ser tudo aquilo que andam dizendo, pelo fato de os índios estarem partindo e eu sem saber o que fazer das minhas perguntas. Chocada por não saber nem a metade sobre o tão decantado canibalismo brasilis, uma bandeira tão rota que já virou panfleto, é mais uma palavra sem valor que rola para desbunde e álibi de um certo oportunismo “artístico” reinante, que não é o caso de VEMVAI. Fico cheia de perguntas, provavelmente as tentarei responder em outro lugar, não nessa peça, muito menos em Zé Celso, que já deu por um tempo (sem lhe desmerecer a grandeza), mas certamente na arte, que cada vez mais é a única coisa em que eu acredito, se é que acredito em alguma.

 

CON TODA PALABRA

Lhasa de Sela

Este vídeo e esta canção são preciosidades que me falam alto. Hoje e sempre eu preciso de ambos.

Zeep – Keep an eye on love

Nina Miranda & Chris Frank present ZEEP

Eu me pergunto o que será o Zeep, apesar de que a resposta não precisa ser dada e nem deva ser, porque corro o risco de cair em rótulos, que de pouco adiantam. Até aonde pude escutar e acompanhar Zeep é muitas coisas: uma banda de dois que agregam quem há de melhor em volta, um projeto de dois com um sem número de colaborações e idéias musicais. O Zeep tem um denominador comum, isso é certo: Nina Miranda e Chris Frank. Os dois são como ímãs e filtros, catalisando sonoridades. São um casal, uma família. E isso muda tudo, pelo menos aos meus olhos e ouvidos. A relação dos dois com o que os cerca está impreesa nas canções , no seu samba novo, em sua psicodelia mansa, nos seus baiões… é o que podemos sentir nos vocais macios de Nina, e no canto falado, suave e à vontade, do senegalês Diabel Cissokho na estonteante canção “Zeep Dreams” , assim como nas risadas de amigos, que se dão de forma tão natural e “em casa” que nos sentimos um pouco perto deles também, zeepados. Sem contar no encarte recheado de fotos das gravações no Brasil e em Londres, com imagens de familiares, amigos, pinturas da mãe da Nina, num clima de “feito à mão” e “álbum de família” que só nos aproxima ainda mais do projeto Zeep.

Não por acaso, ao escutar o disco senti uma tremenda unidade, que muitos perceberão também, por isso, curiosa, pus-me a escutar os discos anteriores de Nina e Chris (em outras linguagens é complicado urdir uma obra em par, mas na música isso é possível, é um prazer, um prazer a mais para quem faz e para quem ouve). Este novo álbum é tão maduro e redondo que eu só pude desconfiar de que aquilo vinha de longe, de dentro dos seus discos anteriores e, claro, do mais verdadeiro de dentro de ambos e também da convivência estreita e amorosa que construíram. E não deu outra: Zeep vem sendo urdido há anos, é um pouquinho cada disco anterior. E não à toa, com um repertório que têm, Nina e Chris formaram este timaço de zeepistas internacionais, como os brasileiros Mauro Berman, Marcelo Janeci e Marçalzinho; o italiano Davide Giovannini; os londrinos Jason Yarde e Kenny Lynch; o senegalês Mamadou Sarr, entre outros.

Sempre me perguntam sobre o fim do Smoke City. Eu nunca tive resposta e nem sei se ela existe, por sorte da vida eu nunca perdi o contato com a Nina e pra mim ela jamais sumiu do mapa, nunca “acabou”. Situação que permitiu que eu, naturalmente, me desse conta de que se as bandas acabam ou de que se os discos têm determinado números de faixas, os músicos continuam e a música dentro deles também. Zeep é como um fruto maduro das músicas que Nina e Chris foram sonhando e vivendo esses anos.

Tanto que o Brasil do Smoke City está em Zeep, maciçamente, mas de maneira mais incorporada, se no primeiro disco todo encarte trazia imagens do Brasil, neste o cenário de Londres se encontra com o daqui, num cruzamento que permite o novo álbum ser o londrino-brasileiro mais brasileiro de todos do casal. Talvez porque Zeep traga um Brasil tropicalista, “roqueiro”, um Brasil que reiventou sua música, porque recebeu nos anos 60 e 70 Beatles na veia, cruzando-o com samba e bossa-nova: um Brasil de Mutantes, de Gil e Caetano & guitarras , de um humor vigoroso que a Nina leva consigo quando canta e compõe e que nós hoje reconhecemos como nossa marca distintiva: o Brasil do caldeirão musical, que já bebeu em Londres, portanto. Zeep traz também um Brasil sofrido e até melancólico, lembrando-me em “Sem parar” o Edu Lobo das canções engajadas da década de 60, com seu sotaque mais nordestino e “contestatório”. É a primeira vez que ouço a Nina cantar o que a incomoda em nosso país, como os contrastes sociais, isso é novo no seu repertório, é Zeep também. Perspectiva desconcertante para quem só espera festa do casal; há muito mais no disco e no mundo.

As pesquisas, as profundidades sonoras do primeiro disco do Da lata também estão em Zeep, mas muito mais suingadas e leves, menos austeras, mais descontraídos e ainda mais africanas. Então, em boa medida, podemos dizer também que o novo álbum do casal é o mais londrino-brasileiro dos álbuns africanos. Ou o álbum afro-brasileiro mais londrino que os dois já fizeram. O que importa é que ambos encontraram uma equação em Zeep na qual a leveza e o humor do canto sagaz e delicado da Nina, toda sua sensibilidade e conhecimento do Brasil se casam com a musicalidade, entre outros atributos mais, do Chris, cada um mais um, e mais dois. Amei de paixão esse disco e como canta Nina: “Fique de olho no amor”. Ele pode fazer discos incríveis.


Eu não sei dançar

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É natural que eu desapareça. Mas não se preocupe, os desaparecidos voluntários não vão muito longe. Só se escondem por um tempo para ter a ilusão de recomeço ou para ter a ilusão do fim, de que o insuportável acabou e o novo pode existir, em algum lugar. Somos tipos medrosos e tímidos e não agüentamos por muito tempo a vida como ela é. Um dia voltamos a ela, como quem submerge, não pense que a abandono, ao contrário, preciso sumir para respirar o suficiente para permanecer ao seu lado. Para mim agora é insuportável, é como carregar toneladas de pedras em direção ao precipício, nenhuma imagem além desta. Não me siga, fique onde está, um dia a banda voltará a tocar e eu a tirarei para dançar.