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Caprichos e relaxos – Leminski

Quando eu tinha uns 13 anos fui até uma papelaria e comprei um livro que marcou total a minha vida. Sim, as papelarias vendiam livros. Eram da Brasiliense, mais magrinhos, quase precursores no Brasil das edições de bolso que hoje todas as editoras têm, ou quase todas. O tal do livro era Caprichos e relaxosdo Paulo Leminski. Eu andava com o livro pra cima e pra baixo, era uma paixão incondicional. Na época eu tinha uma melhor amiga, cujos pais deixavam ela pintar e escrever na parede do quarto, não preciso dizer que os versos do Leminski estavam por todo os lados.

O lance é que um belo dia o meu pai foi visitar uns amigos, Raquel e Ignácio Gerber, e eu fui junto, só que deixei minha mochila no carro com o livro dentro!, quando cheguei ao apartamento deles quem estava lá? Leminski e a sua mulher. Eu fiquei olhando pra ele, na dúvida em descer, pegar o livro no carro e pedir um autógrafo, mas fiquei paralisada, muda. Até que o meu pai resolveu dizer para ele que eu era sua leitora. Lembro de ele virar para mim e dizer algo do tipo: “fala com o tio”. Eu quis morrer, foi a maior decepção da minha vida, ele me tratar como criança (talvez venha daí meu trauma com autógrafos). Como meu tio!, foi desmoralizante demais. Não consegui dizer nada mesmo.

O fato é que, óbvio, não pedi o autógrafo, mas me lembro nitidamente desse dia, de cada sensação, e guardo uma imagem fixa dele sentado numa poltrona branca de couro quieto, quieto, triste. Ele morreu uma semana depois. E eu fiquei com a impressão de que já sabia, porque ele não parecia vivo como seus versos. Fantasia ou não, foi assim que pensei naquele tempo.

Hoje fuçando o YouTube achei um filmezinho que não deixa a desejar e só me fez lembrar, uma vez mais, o quanto eu fui fissurada nesse cara. Ainda que eu tenha seguido mais o rumo da prosa do que da poesia (e seja um ser muito, mas muito careta em relação a explosão e implosão que foi esse homem, em todos os sentidos).

Tenho muito desse autor em mim, mais do que imagine ou possa lembrar, e sabem… andei me perguntando meio amargamente, se eu tive adolescência, já que fui meio precoce. Mas não é que tive? Olhem um dos meus príncipes.

 

Mostra cultural da cooperifa

Recebi via Rodrigo Círiaco um texto “de convocação” e um convite que estendo aqui.

“Começou ontem, na Zona Sul de São Paulo, a 1ª Mostra Cultural da Cooperifa, evento que de 18 a 23 de novembro – durante a Semana Nacional da Consciência Negra – apresentará o que se está fazendo de melhor pelas periferias de São Paulo em Literatura, Teatro, Dança, Cinema e Música.

Organizada pela Cooperifa – Cooperativa Cultural da Periferia – movimento que há sete anos transformou um bar da Zona Sul, o já famoso Zé Batidão, em ponto cultural, e que nas noites de quarta-feira, independente de novelas “Favoritas” ou futebol, consegue agregar mais de trezentas, quatrocentas pessoas, noite após noite para se reunir em torno da palavra, em torno da poesia, a Mostra fará ferver o já nada pacato cotidiano cultural da periferia da Zona Sul de São Paulo.

Neste ano, além dos debates, apresentações musicais, saraus, FEIRA DE LIVROS INDEPENDENTES(!), teremos na quinta-feira, dia da Consciência Negra, a apresentação de vários filmes, curta-metragens da Mostra Africala de Filmes Africanos, vindo diretamente do México para o Brasil, com o apoio da Embaixada Espanhola.

As atividades acontecerão nos CEUs Casa Blanca, Campo Limpo; na Casa Popular de Cultura do M’Boi Mirim e, claro, no Zé Batidão, com participação mais do que especial do público da quebrada, que teve atenção zelosa para ser recebido no evento.

Mas quem não é também pode chegar que será muito bem-vindo e recebido, com toda certeza.”

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Pra aumentar o flyer é só clicar.

 

A quem interessar

Para que fulaninho tem um blog? Por que eu tenho? Estas perguntas sempre me vêm, mas fico com elas e prossigo, escrevendo o meu e lendo o dos outros. Penso que no final das contas o que eu quero é alguma interlocução, que não aparece só nos comentários, que são parcos por aqui. Procuro também um auto-entendimento: o que estou escrevendo agora? O que não estou escrevendo? Quase tudo aparece muito claro para mim por aqui, em forma de letra.

Ultimamente não tenho postado muito meus escritos, aquilo que vai para o literário. Talvez devesse ser esta a função do blog, mas não é o que me mobiliza agora. Gosto de comentar e comentar, em boa medida é esta minha função. Apesar de, atualmente, ir pouquíssimo ao cinema e ao teatro e a exposições, tanto pelo meu estado de espírito quanto pelo meu pé (porque até hoje ele não tenho um diagnóstico definitivo), acabo comentando, ou apontando algo, aqui e ali. De um jeito ou de outro.

Não sou nem nunca fui de festas e badalações, e a leitura cai como uma luva pra mim, apesar de o animal que eu mais gostar ser o humano, não dou muito conta das relações, só das mais profundas, e muito ao meu modo, em conflito, mas amando sempre. Sou de paixões, não tenham dúvida. Ainda que passe só com meu felino a maior parte do tempo. Sou bicho caseiro. Meus amigos de hoje, com raras exceções, são meus amigos de escola, nem sequer da faculdade. De forma que não tenho muitos “eventos” para trazer aqui. Em verdade, fujo de uma pré-estréia como o diabo da cruz e quando vou a um lançamento fico, não raro, constrangida, não sei pegar autógrafo, acho que incomoda, quando o faço é porque o autor me encantou de maneira irresistível, ou porque o conheço e gosto muito dele.

De forma que conhecidos meus, que me acham super extrovertida, não se enganem, se assim fui, é porque vocês chegaram muito perto de mim. Raro é eu me sentir à vontade num lugar como eu me sinto na Mercearia São Pedro, por exemplo. Quem me lê e não são muitos, sabe do que estou falando. Talvez eu tenha alguma afinidade com pessoas deste lugar num nível que elas sequer imaginem nem eu. A quem servir a carapuça, fique com ela.

Talvez eu saiba por que eu blogue, quiçá seja uma maneira de eu dizer o quanto eu considere alguém ou algo, para o bem ou para o mal. Tenham certeza, quem ou o que está por aqui, me toca muito, em 99% das vezes. Provavelmente eu não me faça entender. Mas está dito.

Não estou muito interessada em “resenhas” que não apontem para minhas pesquisas pessoais ou fixações, chamem do que quiser. Se trato de um livro é porque ele tem uma pegada, um mote, uma verve que me aponta algo, seja na escrita, seja na vida, o que para mim é o mesmo. Sem parecer tanto, isso aqui é um diário de bordo. Não sei nem quero ser jornalista, por isso não me comprometam com o novo pelo novo, porque o meu disco é riscado. Amém.

Hermeto Campeão

Tenho visto este “clip” pela rede sem os devidos créditos. Esta beleza faz parte de um documentário, rodado em 1981, chamado Hermeto Campeão, dirigido e roteirizado pelo não menos grande Thomas Farkas. A fotografia linda é de Pedro Farkas. Na época eu tinha uns 10 anos; minha madrasta foi técnica de som do filme. 

 

+ O filho eterno (amém?)

Hoje fiquei chocada, dei uma olhada num blogue chamado Bibliotecário Babel e vi a capa portuguesa do livro. Provavelmete quem a fez não leu a obra nem teve acesso a uma descrição mínima dela (cadê o editor?). Coisa que também acontece no Brasil. Mas gente, esse caso é além da imaginação, é feio demais, nem as editoras religiosas fariam uma coisa dessas hoje. Perceberiam  que o filho de Tezza não tem nenhuma semelhança como filho de Deus.

 

Para ver é só clicar aqui.

 

P.S.:  Quando comentei sobre o livro, não disfarcei minhas idiossincrasias e a história bem pode passar sobre elas como um trator. Mas que fique claro que o meu ponto de vista  não descarta a capacidade literária do escriba.

Manu Maltez – Rapaz talentoso

Esse menino é multifacetado e parece cumprir o que promete, já está até manjado, mas é certa surpresa para mim. Além de gravuras e desenhos e pinturas, que desenvolve em seu ateliê e ilustram livros ilustres como Rasif – o mar que arrebenta, ele também é líder de um grupo musical chamado “Cardume”, tem uma voz bem linda.

Depois de reiteradas vezes vê-lo e de uma conversa mais demorada na Mercearia São Pedro, via Marcelino Freire – sempre-, dei-me conta de que o rapaz é muito sério e que seus trinta e poucos anos escondem uns 60, de certo ponto de vista. Muito simpático, tem opiniões um tanto casmurras, duras até, fato que não  desagrada, pelo contrário, porque é raro.

Resolvi fuçar e gostei do que escutei e pude ver. Ele parece um mix de Marcelo Grassmann na gravura e  de um Itamar Assunção do canto erudito. Dá pra sacar?

Para artes plásticas clique aqui.

Para música aqui.

Luana Geiger – Moça talentosa

Hoje é dia da galeria de talentos. Luana Geiger ilustra e cria como poucos. Sou sua amiga e fã de priscas eras.

Peguei algumas belezas dela para apresentar a vocês. É uma artista que deve estar dentro dos livros, através das várias técnicas que domina, seja no mundo adulto, seja no ifanto-juvenil, seja ainda no infantil.  

Como estas amígdalas, não sei o título que ela deu, para um livro que não publiquei.

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Como esta ilustração para a badalada revista Chivari.

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Como esta aquerela que ela fez para o livro Um caldeirão de poemas, da Tatiana Belinky para Cia. das letrinhas.

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Já está de bom tamanho, não? Quem quiser saber mais, clique aqui.

Adaptação à moda…

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 Gosto muito de um blogue português chamado Da Literatura, de um autor chamado Eduardo Pitta. Esses dias ele comentou o fato de o livro Arquitetura do Arco-íris, de Cíntia Moscovich, escritora que eu adoro, ter sido lançado em Portugal, mas “traduzido” para grafia do outro lado do Atlântico. Adaptação que ele considera poder enfraquecer a força da obra.

Concordo com tal possibilidade. Fico absolutamente chocada com o fato de que nossos livros sejam adaptados à moda portuguesa. Não há a menor necessidade, já que nós aqui lemos Saramago, Lídia Jorge, Teolinda Gersão, José Luis Peixoto, só para ficar com alguns nomes, na grafia original.

Considero uma pobreza imensa a possibilidade de tais adaptações. Devemos ficar alertas, já que as trocas, as miscelâneas vocabulares e de construção de ambos os portugueses são estimulantes. Só de pensar em alguns dos autores portugueses, que tanto prezo, adaptados à moda brasilis tenho vontade de chorar, já que sempre me estimulam e muito, justamente, pela variações todas que trazem.

Frida Boccara – Luciana

Lídia Jorge – A Manta do Soldado

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De que é feita a literatura? De palavras, palavras, palavras, diriam muitos como já sabem quase todos que transitam por esse território. Lídia Jorge sabe manejá-las como ninguém. Li A Manta do Soldado, editado pela Record em 2003, quando já estava publicado desde 1998 em Portugal, com outro título: O Vale da Paixão, mas com certeza o segundo título é muito melhor. Li que a própria autora assim considera também. Será que o mudaram em Portugal como no Brasil?

Em A manta do Soldado o nascimento da narradora, filha de um homem cujo irmão, o tio, assume-lhe como pai é a mola propulsora da inquietação calada da narrativa. A narradora sabe que é a filha do tio e que sempre há de chamá-lo assim, mas este é um silêncio e um segredo compartilhado por todos, o qual cabe a ela, sem que ela saiba, sem que saibamos, dar conta.

Lídia Jorge nos lança no escuro. O livro só se dá a ver enquanto o lemos e temos de lê-lo até o fim para dimensionar a capacidade de escrita e de surpresa que ele trás. A narradora inominada conta a história de uma casa e seus familiares que anos a fio entram em declínio, mas descreve o enredo tão de dentro que por quase todo o livro não a separamos da casa e seus fantasmas. Ela está colada ali, alicerçada, quase a naufragar também. Mas eis que de forma que mal percebamos, ela nos encaminha por outras perspectivas e saídas daquele cotidiano asfixiante e provinciano. A maestria da autora dá conta de que essa ruptura não signifique uma partida da narradora da casa, mas em atos e pensamentos que se dão ali. Ela reconstrói sua história quase sem sair do mesmo lugar, vê de fora, ainda que dentro.

Algo que impressiona na leitura é a capacidade de Lídia Jorge de esculpir o tempo da narrativa, de nos enredar neste tempo. Ler A manta do Soldado é ser levado a caminhar na lentidão de seu texto. Melancólico, fantasmático, feito de percepções e apreensões, pequenas visões, todas construídas no corpo de um tempo que está para ruir (a casa – a narrativa- a história de seu pai), porque se arrastou demais. É um livro para ser lido, uma autora para se encontrar e revisitar o quanto antes.